Quando hoje vamos a algum lado e toda a gente tem um telemóvel, dificilmente nos lembramos que, no início da última década do segundo milénio, este era um objecto praticamente desconhecido, que pesava quilos e custava centenas de contos. Muita coisa mudou no negócio dos telemóveis desde então. O negócio propriamente dito não existia antes de 1989. Nessa altura, o único operador de telecomunicações então existente começou a oferecer este serviço, que se veio a constituir como empresa autónoma em 1991 com a criação da TMN. Por essa ocasião, as tarifas dos telemóveis e dos telefones fixos eram muito diferentes nos níveis de preços, mas razoavelmente semelhantes na sua estrutura. Existia uma taxa de instalação, que no caso dos telemóveis se chamava de activação, uma assinatura mensal e dois preços por minuto de conversação, consoante a chamada ocorresse durante o dia ou durante a noite.
Um ano e meio volvido após a criação da TMN, entra em cena a Telecel, tendo a entrada de um segundo concorrente trazido alguma agitação ao mercado. Foram criados novos planos tarifários, e os clientes passaram a poder escolher entre assinaturas mais elevadas e um preço por minuto de conversação mais baixo e assinaturas mais baixas e um custo por minuto mais elevado. Globalmente, os preços das chamadas foram apresentando uma tendência clara para a descida. Ao mesmo tempo, o número de assinantes foi crescendo de forma substancial, quer porque os preços por minuto de cada plano foram tendo uma descida, quer porque surgiram novos planos, que permitiam realizar chamadas com encargos mensais cada vez menores.
Motivadas pela redução de preço, um número crescente de pessoas foi adquirindo telemóveis e estabelecendo contratos com um dos dois operadores. Este facto, por sua vez, tornou mais atractiva a posse de um telemóvel. Dado que as chamadas dentro da mesma rede eram (e são) significativamente mais baratas do que as chamadas entre redes, quanto maior for o número de telemóveis de uma dada rede, mais atractiva se torna a aquisição de um telemóvel ligado a essa rede. Isto fez com que as empresas operadoras tivessem investido fortemente na captação de clientes, nomeadamente vendendo os aparelhos a preços muito baixos, desde que o comprador se comprometesse a usar o serviço durante um determinado período mínimo. Entretanto, os preços continuaram a descer e as estruturas tarifárias a multiplicar-se, tendo a taxa de activação acabado por ser eliminada.
Nos primeiros anos da existência do mercado, a Portugal Telecom (PT), proprietária da TMN, era uma empresa estatal, que tinha grandes dificuldades de criar sistemas de remuneração capazes de motivar os seus funcionários e a própria gestão. Essas dificuldades estendiam-se à TMN, o que terá possivelmente facilitado a tarefa da Telecel na aquisição de uma liderança clara no mercado. Pelo contrário, a Telecel tinha desde logo um sistema de incentivos que, segundo a imprensa da época, terá permitido que os bons resultados da empresa se tivessem traduzido em vultuosos rendimentos para o seu presidente. Com a alteração da estrutura da PT, a TMN acabou por ter também a sua gestão flexibilizada, o que veio a ter reflexos claros na sua forma de actuar no mercado.
Um dos sinais dessa postura mais agressiva por parte da TMN é o lançamento do Mimo, o primeiro plano em que o pagamento era feito antecipadamente. Para além disso, o Mimo foi também o primeiro serviço na história do mercado que não tinha assinatura mensal, sendo os pagamentos periódicos que os clientes eram obrigados a efectuar totalmente utilizáveis na realização de chamadas. Um sistema equivalente foi introduzido mais tarde pela Telecel com a Vitamina T, a que se seguiram outras Vitaminas: P, R, etc. Cada uma delas era dirigida a um segmento de mercado e tinha uma estrutura de preços de acordo com as características desse segmento. Algum tempo mais tarde foram criados os chamados ``pacotes de minutos''. Nestes planos tarifários, o cliente não pagava assinatura, mas tinha que periodicamente comprar o direito a efectuar chamadas com uma duração total pré-determinada. O preço por minuto variava consoante o número de minutos englobado no pacote. O cliente, contudo, não estava obrigado a comprar sempre a mesma quantidade de minutos, podendo escolher o pacote a comprar, aquando de cada nova aquisição.
Durante este período ocorreram alterações profundas na tecnologia da produção dos aparelhos de telemóvel. Os aparelhos tornaram-se substancialmente mais leves e os seus preços significativamente mais reduzidos e ambos os efeitos contribuíram para que os telemóveis se tornassem mais atractivos. Por outro lado, as empresas foram expandindo as suas redes de vendas, incluindo desde lojas próprias e venda por agentes exclusivos à venda em supermercados. Como consequência, o número de pessoas a quererem realizar chamadas na rede móvel foi duplicando de ano para ano, de forma persistente entre 1989 e 1998.
O mercado voltou a ser abalado com a entrada da Optimus em Setembro de 1998. No momento da sua entrada, a Optimus tinha um problema óbvio: construir uma base de clientes que tornasse atractivo para outros clientes aderirem a esta rede. O facto de ter chegado ao mercado muito depois dos seus concorrentes tinha desvantagens e vantagens, obrigando a uma estratégia diferente da das empresas instaladas. A necessidade de conquistar a aceitação por parte dos clientes obrigou a um esforço publicitário claramente superior ao dos concorrentes. Apesar de ter em 1999 uma quota de mercado que era cerca de metade da dos concorrentes, a Optimus gastou em publicidade mais dinheiro do que a TMN e quase tanto como a Telecel. Por outro lado, contudo, a Optimus não tinha investimentos anteriores, o que lhe permitiu iniciar as suas operações com uma tecnologia superior à dos concorrentes e planear a sua rede de forma global, em vez de a ir aumentando gradualmente como tinham anteriormente feito os concorrentes.
A Optimus procurou ainda distinguir-se ao nível do preço, praticando preços claramente inferiores aos dos concorrentes, em particular para as chamadas realizadas dentro da sua rede. Um dos instrumentos decisivos nesta área foi a oferta de preços extremamente reduzidos para chamadas efectuadas dentro da rede Optimus por clientes que se pré-inscrevessem antes da data em que a Optimus ia começar a operar. A estes clientes foi prometido que até ao ano 2000 o preço das chamadas dentro da rede Optimus seria de 5$00 por minuto. Para se ter a noção do que isso significava, é bom lembrar que os preços mais baratos dentro das redes TMN e Telecel nessa altura eram superiores a 20$00 por minuto para chamadas realizadas durante o fim de semana e atingiam os 30$00 para as chamadas realizadas nos períodos de ponta.
A resposta da TMN e Telecel não se fez esperar. Ainda em Agosto, antes de a Optimus iniciar as suas operações, a TMN surgiu com uma oferta de 4$00 por minuto para chamadas com determinadas características. A Telecel resistiu um pouco mais a baixar os preços. Começou por lançar uma campanha de fidelização de clientes com um programa de atribuição de pontos em função das chamadas realizadas por cada cliente, pontos esses que podiam ser posteriormente trocados por brindes, mas acabou por vir a fazer uma oferta comparável à da TMN. Em ambos os casos, para se ter acesso a estes preços era necessário cumprir um conjunto de condições que limitavam muito o número de utilizadores que estavam em condições de usufruir destes super-descontos. Contudo, o impacto da entrada da Optimus sobre os preços foi muito para além da campanha dos 5$00 por minuto. As assinaturas mensais dos planos tarifários regulares das empresas instaladas sofreram reduções que chegaram a ser superiores a 10% no caso dos planos com assinatura mensal mais elevada, e o preço por minuto de chamada teve mesmo quebras superiores, tendo chegado a atingir os 20%.
Embora a maior parte dos consumidores tenha provavelmente visto com bons olhos a evolução dos preços que se seguiu à entrada da Optimus, o mesmo não aconteceu certamente com as empresas já instaladas. Numa campanha lançada em Julho de 1999, a Telecel expressava esta preocupação de uma forma clara. A campanha dizia basicamente o seguinte: ``Os nossos concorrentes têm vindo sistematicamente a insistir no preço como arma competitiva. O preço não é tudo e na Telecel damos grande importância à qualidade do serviço, qualidade essa que temos vindo sistematicamente a melhorar. Não obstante, estamos convencidos de que os nossos preços são os melhores do mercado. Contudo, se algum dos nossos clientes achar que um dos tarifários da concorrência é melhor do que os nossos, estamos à vontade para lhe passarmos a cobrar de acordo com esse tarifário, para lhe permitir escolher apenas com base na qualidade do serviço''.
Enquanto que, por um lado, sofria os efeitos da entrada da Optimus, por outro lado, a Telecel ameaçava a Portugal Telecom no seu território -- o telefone fixo -- com a criação do Mobifix. O Mobifix era simplesmente um telefone fixo sem fios que utilizava a tecnologia celular. Basicamente, era um telemóvel ao qual, no momento da sua activação, era retirada a possibilidade de realizar chamadas noutra zona que não aquela em que tinha sido activado. Um dos aspectos importantes do aparecimento do Mobifix é que este é um passo importante no sentido de tornar difusas as fronteiras do mercado. Esta tendência reforçou-se com o aparecimento do Mobilé. Aproveitando as ligações entre a PT e a TMN, o Mobilé era um telefone que tinha a dupla função de poder realizar chamadas através da rede PT se estivesse na proximidade de um determinado terminal da PT, tornando-se um telemóvel da rede TMN se estivesse longe desse terminal.
As alterações no mercado não pararam de suceder, tendo os telemóveis começado a ser usados para novos fins, nomeadamente para o acesso a portais da Internet especificamente concebidos para esse fim. O desenvolvimento das aplicações ligadas à Internet foi acelerado com o anúncio do início da entrada em operação de uma nova tecnologia (UMTS) com potencialidades muito acrescidas em termos da transmissão de dados e vídeo. Para a operação com esta tecnologia, o Governo português decidiu atribuir uma quarta licença. As três primeiras licenças foram automaticamente atribuídas às empresas já existentes, sendo necessário decidir sobre a forma de escolher o quarto operador. Em meados do ano 2000, numa decisão que gerou alguma polémica, o Governo decidiu que a quarta licença seria atribuída através de um concurso. A polémica gerada tinha por base o facto de não se ter optado por um leilão, solução adoptada por diversos outros países europeus, e que alegadamente teria permitido ao Estado arrecadar maiores receitas.
Em traços gerais, esta era a situação do mercado no momento em que este livro estava a ser enviado para a tipografia. Dada a velocidade com que o mercado tem evoluído é, contudo, bem possível que, no momento em que o leitor tiver estas páginas nas suas mãos, o mercado dos telemóveis seja bem diferente, não sendo mesmo de excluir que tenha deixado de fazer sentido falar no mercado dos telemóveis.
Será que existe realmente um mercado de comunicação por telemóvel? Ou será que existe apenas um mercado das comunicações telefónicas? Aquando da sua introdução, os telemóveis eram mais parecidos com os telefones fixos do que o que viriam a ser mais tarde. Devido ao seu grande peso e volume, os telemóveis desses primeiros dias eram basicamente telefones fixos que podiam ser instalados numa plataforma móvel, normalmente o carro. Porém, as ligações eram más, a cobertura do território deficiente e os preços (quer dos aparelhos quer das chamadas) muito superiores aos da rede fixa. A utilização que era dada aos telefones fixos e móveis era normalmente muito diferente. Só as pessoas que davam muito valor à possibilidade de efectuar e receber chamadas enquanto se deslocavam de carro de um lugar para outro compravam um telemóvel nessa altura. De facto, os dois tipos de telefone não eram então realmente substitutos. Os preços, quer das chamadas quer dos aparelhos, eram tão diferentes que ninguém pensava em trocar um aparelho fixo por um móvel. Gradualmente a situação alterou-se: a diferença entre os preços reduziu-se e alguns clientes residenciais começaram a contemplar a hipótese de abandonar o telefone fixo para ficarem só com o móvel. Os dois mercados tornaram-se claramente mais próximos e é bem provável que se chegue a um ponto em que os dois passem a ser um só.
Esta breve descrição do mercado dos telemóveis ilustra um grande número das questões mais relevantes para a tomada da decisão na empresa e também diversos tópicos que serão abordados ao longo do livro. O livro discute a questão das fronteiras do mercado, de como o número de consumidores e as quantidades que eles compram dos produtos variam com o seu preço, e de que forma os mercados evoluem ao longo do tempo. Mas, mais importante, o livro analisa a forma como o conhecimento dos elementos atrás mencionados pode ser usado para tomar melhores decisões nas empresas. Como escolher o melhor preço a praticar? O mercado dos telemóveis é fértil em exemplos de casos em que diferentes preços são cobrados a clientes diferentes. Em que condições é que é mais rentável para uma empresa adoptar este tipo de estratégia? Quais são as dificuldades associadas à sua implementação?
A organização das redes de comercialização de telefones celulares mostra que, por vezes, as empresas levam a cabo internamente tarefas que também entregam a empresas externas. Quais são as actividades a manter dentro da empresa e quais as que devem ser organizadas com recurso ao mercado? Quais são os elementos importantes nesta escolha? Em que circunstâncias é que as duas formas de organização coexistem?
É geralmente aceite que durante os primeiros tempos no mercado o desempenho da Telecel superou largamente o da TMN. Uma das razões para esta diferença é também sugerida na história do mercado: a Telecel terá tido mais cedo a capacidade de criar mecanismos para motivar as pessoas que lá trabalhavam a agirem de acordo com os interesses da empresa. Como motivar as pessoas a agirem de acordo com os interesses da empresa? Quais os factores que pesam na escolha de um regime de compensações?
A história dos telemóveis é também rica em episódios de entrada de novas empresas no mercado. Que estratégias é que as empresas instaladas no mercado podem adoptar para evitar a entrada de novas empresas ou para minorar os efeitos negativos de tais entradas? Que estratégias podem as empresas que entram seguir para minimizar a estratégia agressiva das empresas instaladas?
Com a entrada da Telecel ocorreu uma alteração muito significativa na estrutura do mercado, com consequências potencialmente importantes no desempenho das empresas. A partir desse momento, os resultados das empresas deixaram de depender apenas do resultado da interacção entre empresa e clientes, mas passaram a depender de forma crucial da interacção entre as empresas no mercado. Quando um mercado tem mais do que uma empresa, a forma como as diversas empresas interagem passa a ser determinante para os resultados de cada uma delas. Quais as circunstâncias em que o aumento do número de empresas no mercado leva a grandes quebras nos preços e lucros? Quais as circunstâncias em que tal não acontece? O que é que as empresas podem fazer para evitar que a concorrência lhes elimine os lucros? Como é que as empresas devem determinar os seus preços quando têm concorrentes directos e as suas vendas dependem dos seus próprios preços, mas também dos dos concorrentes?
Ao contrário do que aconteceu em Portugal, as licenças para os operadores de telemóveis da terceira geração foram atribuídas através de leilões em muitos países. Como é que as empresas deveriam licitar se fossem postas perante a contingência de ter que participar num destes leilões?
A questão da concorrência entre empresas traz também questões algo mais subtis. Nem sempre o que é bom para uma empresa no mercado é mau para as restantes. Em que circunstâncias é que é mais fácil que as empresas tomem decisões que beneficiem todos os concorrentes, e que estratégias é que cada empresa pode seguir para induzir as outras a adoptarem um comportamento mais amigável?
Estas são, no fundo, as questões a que muitos livros sobre a gestão das empresas tentam dar resposta. Uma visão que tem por vezes alguma popularidade parte da verificação inquestionável que cada decisão empresarial é uma decisão única e que as circunstâncias específicas que envolvem cada decisão nunca se vêm a repetir. O ideal para saber responder a situações novas, segundo esta visão, seria acumular o máximo de experiência em situações empresariais para, a partir dessa experiência, desenvolver um ``olho clínico'' suficientemente apurado para responder a novas situações. Dado que tal experiência alargada é difícil de adquirir, mais que não seja porque leva muito tempo, uma forma de assimilar estes conhecimentos por via indirecta seria através da observação das decisões que os gestores tomam na prática, em particular, das decisões tomadas em empresas de sucesso. O objectivo desta aproximação ao problema é a identificação de casos de sucesso empresarial para, através do estudo desses casos, proceder à identificação das estratégias adoptadas pelas empresas bem sucedidas.
Esta forma de abordar a questão negligencia o facto de que, sempre que uma dada estratégia leva a bons resultados em algumas empresas, existem outras empresas em que a mesma estratégia conduziu a resultados desastrosos. O facto de uma empresa de sucesso ter adoptado uma determinada estratégia, que parece ser a responsável pelo sucesso da empresa, não é garantia que a mesma estratégia aplicada noutra circunstância venha a produzir resultados igualmente bons. Por outro lado, o facto de existir uma dada proporção de sucessos entre as empresas que seguiram uma dada estratégia não é revelador da bondade dessa estratégia. Para se ter uma noção de qual é efectivamente o ganho produzido pela adopção de uma dada estratégia é necessário poder comparar a proporção de sucessos entre as empresas que a seguiram com a proporção de sucessos entre as empresas que não a seguiram. E, finalmente, o simples identificar de estratégias de sucesso não fornece uma ideia sobre quais são os canais que ligam a estratégia adoptada aos resultados alcançados e sobre quais são as relações causais existentes. Se uma dada estratégia não produz sempre resultados positivos, o conhecimento destas relações causais e das ligações entre ela e o sucesso da empresa é crucial para permitir identificar as circunstâncias em que a estratégia pode ser desejável e quais as circunstâncias em que ela poderá ter menor efeito.
A abordagem seguida neste livro é diferente. Como espero que tenha ficado claro da leitura dos tópicos que vão ser abordados ao longo do texto, o livro é essencialmente prático, no sentido de que o objectivo de todos os pontos que nele são tratados é o de fornecer instrumentos para a tomada de decisão nas empresas. É também prático, na medida em que, a propósito de todos os temas, se ilustram os conceitos com exemplos da vida empresarial. Contudo, ele não se apoia em ideias do senso comum, nem se centra no estudo de casos de sucesso. Pelo contrário, a perspectiva aqui adoptada repousa na análise económica. A razão de basear a análise das decisões empresariais na teoria económica reside no facto de se procurar ter, não uma explicação para o sucesso desta ou daquela empresa, mas um referencial de análise consistente que identifique as relações causais entre decisões e resultados e permita prever em que circunstâncias é que uma dada decisão produz determinados resultados.
Isto não quer dizer que se pense que a experiência prática é irrelevante ou secundária na gestão das empresas. A experiência é um elemento importante em muitas profissões e a gestão de empresas não é excepção. Porém, tal como na medicina a prática clínica não é um substituto para o conhecimento da Anatomia, Fisiologia, Química e Biologia, na gestão das empresas a experiência empresarial não é um substituto para o conhecimento sistematizado da realidade empresarial. Este conhecimento é proporcionado pelas diversas ciências que lidam com as questões empresariais, entre elas a Economia de que nos ocupamos aqui. Este livro é pois essencialmente um texto de teoria económica, que parte do princípio de que ``não há nada tão prático como uma boa teoria''.
As teorias económicas são elaboradas com o recurso a modelos económicos. Um modelo é uma representação simplificada da realidade que se pretende analisar, que se concentra no que nela é essencial e ignora o que é acessório. Um bom exemplo do que é um modelo é dado pelos mapas. Os mapas são modelos do espaço geográfico que descrevem: o mundo, um continente, um país ou uma povoação. Obviamente que os mapas são representações simplificadas, que não contêm todo o detalhe do espaço a que se reportam. Para conterem todo o detalhe, os mapas teriam que ser feitos à escala de 1:1, caso em que perderiam todo o interesse.
Não é fácil dizer o que deve ser mantido e o que deve ser eliminado de um modelo. Aquilo que é útil numas situações, não é útil noutras. Quando nos deslocamos de carro entre duas povoações, um mapa de estradas cumpre a sua função de nos ajudar a encontrar o melhor caminho, se contiver as estradas com indicação de importância e estado de conservação, alguns pontos de referência, como seja o nome das povoações, e pouco mais. Muitos detalhes sobre a orografia, clima ou tipo de vegetação só serviriam para tornar mais difícil a busca do melhor caminho entre os dois pontos. Contudo, existem mapas que se concentram sobre os detalhes do relevo ou da divisão política de um determinado território. Os detalhes do relevo, por exemplo, são úteis não para encontrar a estrada que melhor nos conduz de um ponto a outro, mas para escolher o percurso por onde há-de passar uma nova estrada. Neste caso, o grau de detalhe é muito mais importante e as cartas que servem de base ao desenho de estradas são feitas a uma escala muito maior do que os mapas das estradas.
A história do mercado dos telemóveis que serviu de introdução a este capítulo é útil para ilustrar como diferentes modelos podem ser apropriados para a análise de diferentes aspectos da realidade. Por exemplo, para analisar se é melhor ter um determinado pagamento por cada período de conversação ou ter também uma assinatura mensal, pode ser útil abstrair do facto de os clientes terem diferenças entre si. Porém, para discutir se a empresa deve ter um ou mais planos tarifários, não é possível ignorar as diferenças entre clientes. Para levar a cabo a análise destes dois fenómenos, pode ser útil abstrair do facto de cada empresa não estar sozinha no mercado. No entanto, para analisar a resposta de uma empresa a alterações de preços das outras, não fará sentido ignorar a concorrência, mas pode ser dispensável incluir no modelo todo o detalhe sobre o sistema tarifário. Obviamente que, na prática, sabemos que as empresas têm que dar resposta a alterações de preços das outras, quando cada uma das empresas tem estruturas tarifárias complexas, mas é normalmente muito mais fácil perceber o que está em causa nas decisões se isolarmos um aspecto de cada vez do que se tentarmos analisar todos em simultâneo.
Tudo o que acontece nos mercados tem consequências próximas e outras que são mais distantes. Quando surge uma nova tecnologia num dado mercado, este facto tem consequências directas em termos desse mercado. À medida que algumas das empresas no mercado começam a adoptá-la, os seus custos reduzem-se, as suas vendas aumentam. Estas vendas adicionais podem ser conseguidas através de atracção de clientes que não compravam anteriormente o produto, ou à custa de clientes que compravam anteriormente às empresas rivais. Estas podem responder de forma vigorosa ou, pelo contrário, ignorar o facto. O movimento inicial e a resposta das outras empresas pode ter como consequência uma maior ou menor alteração dos preços e uma maior ou menor alteração das quotas de mercado das empresas.
Esta decisão também tem consequências menos imediatas. A expansão das vendas de uma empresa leva a um aumento das compras feitas às empresas suas fornecedoras, à contratação de um maior número de trabalhadores e ao aumento da massa salarial da empresa e, provavelmente, ao aumento dos lucros da empresa. Estes lucros podem ser reinvestidos ou distribuídos pelos donos da empresa. Em qualquer dos casos, tal como os salários, eles vão ser usados para comprar outros produtos. Para aumentar a produção desses produtos, é também necessário contratar mais trabalhadores, comprar mais matérias-primas, etc. Alternativamente, estes rendimentos adicionais serão poupados. Nesse caso, serão depositados num banco, que os irá emprestar, ou aplicados em acções ou obrigações, voltando desta forma a ser usados para a aquisição de novos bens e serviços. A história não acaba aqui. Parte deste aumento da produção e da riqueza gerada é recolhida pelo Estado sob a forma de impostos -- impostos sobre as transacções e sobre o rendimento -- mas o Estado também não fica com o dinheiro dos impostos para si: gasta-o comprando novos bens e serviços. O efeito total da decisão inicial vai, pois, muito para além do efeito inicial sobre os preços e as quantidades transaccionadas no mercado.
Um modelo que pretenda captar a totalidade destes efeitos diz-se um modelo de equilíbrio geral. A dificuldade com modelos deste tipo é que, dada a sua abrangência, não podem prestar muita atenção ao detalhe. Assim, normalmente, eles partem da hipótese de que todas as empresas são idênticas, que a forma como a concorrência se exerce nos diferentes mercados é semelhante, que os clientes têm todos os mesmos gostos. Em contraste, os modelos de equilíbrio parcial abstraem do facto de cada mercado estar integrado na economia do país ou região. Fazendo isso, e preocupando-se apenas com as consequências imediatas de cada decisão, é possível prestar muito mais atenção ao detalhe específico do mercado em análise. É possível levar em conta a heterogeneidade entre os clientes desse mercado, o número de empresas no mercado, e as suas semelhanças e diferenças, as suas estruturas internas, e as diferenças entre as formas de gestão.
As questões típicas a pôr na análise de equilíbrio parcial do aparecimento de uma nova tecnologia serão: Quais as empresas que a adoptarão em primeiro lugar? Qual o padrão de difusão dessa tecnologia? De que forma a velocidade de difusão da tecnologia varia com o número de empresas no mercado? Quais as estratégias que as empresas podem seguir para impedir ou tornar mais difícil que as outras adoptem a nova tecnologia?
Outra distinção importante é a distinção entre modelos microeconómicos e modelos macroeconómicos. Ao contrário dos modelos microeconómicos que se preocupam com as decisões dos agentes económicos individualmente considerados e com os efeitos sobre cada mercado em particular, os modelos macroeconómicos não olham especificamente para os movimentos de preços e quantidades transaccionadas em cada mercado. Pelo contrário, olham para os efeitos de uma dada alteração sobre a evolução do conjunto dos preços -- a inflação -- e sobre a evolução da produção agregada -- o produto nacional.
A microeconomia olha para questões como a de saber por que é que o preço das chamadas dos telemóveis tem vindo a decrescer ano após ano e qual o efeito que isso tem na utilização dos telemóveis. A macroeconomia olha para questões como a de saber por que é que o conjuntos dos preços de um país cresce mais ou menos de ano para ano, por que é que a inflação é maior ou menor e qual é o efeito da inflação sobre a produção agregada de um país ou sobre as despesas de consumo agregado das famílias desse país.
A diferença entre a perspectiva da macroeconomia e a da microeconomia assemelha-se bastante às diferenças existentes entre um planisfério e a planta de uma cidade. Só o planisfério permite saber qual o nosso lugar no mundo, mas só a planta permite conhecer os detalhes da malha urbana e saber que ruas devemos percorrer no dia a dia para nos deslocar de um ponto da cidade para outro. A Economia da Empresa, estando directamente preocupada com as decisões que as empresas têm que tomar e com as consequências dessas decisões para a própria empresa, adopta claramente uma perspectiva microeconómica e uma perspectiva de equilíbrio parcial, e é esta a abordagem que é adoptada ao longo de todo o livro.
A Economia descreve o comportamento das empresas e dos agentes económicos, em geral. Por exemplo, a Economia serve para prever qual será o comportamento das empresas e dos consumidores se o preço de um determinado produto subir. Neste sentido, a Economia é uma disciplina positiva.
Contudo, a Economia é também uma disciplina normativa, no sentido em que a análise económica pode ser usada para fazer prescrições sobre o que fazer em determinadas circunstâncias. Estas prescrições podem ser dirigidas aos governos, por exemplo, indicando se deve ou não ser introduzido um determinado imposto ou se devem ser criados limites às fusões entre empresas. Podem ser também dirigidas às empresas, por exemplo, indicando qual a melhor estrutura salarial a adoptar em determinadas circunstâncias, ou se a empresa deve ou não iniciar uma guerra de preços.
A perspectiva da Economia da Empresa é fundamentalmente a de saber quais as decisões que devem ser tomadas pelas empresas. Ainda assim, é útil a quem está nas empresas saber por que é que o Estado intervém, nomeadamente criando restrições às actividades das empresas. Embora a maior parte do livro seja dedicado à análise das decisões empresariais, na parte final do livro são analisadas algumas das formas de intervenção do Estado mais relevantes para a decisão empresarial.
Para além deste capítulo introdutório, o livro está dividido em cinco partes. Na primeira parte apresentam-se alguns conceitos básicos que constituem as ferramentas essenciais para analisar as decisões empresariais. O capítulo que se segue serve para apresentar a metodologia de construção e utilização de modelos, usando como exemplo um modelo básico da Economia: o modelo da procura e da oferta. De seguida analisa-se com maior detalhe a procura, ou seja, os clientes da empresa. A este capítulo seguem-se mais dois sobre as decisões de produção e os custos da empresa.
A parte II usa os conceitos anteriormente introduzidos para iniciar a análise das decisões empresariais. Começa por tratar das decisões que as empresas tomam em dois tipos de mercados particularmente simples: os mercados concorrenciais e os mercados de monopólio, onde a empresa opera sem concorrência directa. Ainda dentro desta parte, discutem-se dois outros tipos de decisão da empresa: a decisão de recorrer ao mercado ou produzir dentro da empresa e as decisões que a empresa tem que tomar com o objectivo de motivar as pessoas que nela trabalham a fazê-lo de forma eficiente.
A parte III discute de forma detalhada as decisões de preços em diversas circunstâncias. A primeira questão que é analisada nesta parte é a da escolha entre a prática de um preço único ou de preços diferenciados consoante as circunstâncias, seguindo-se a questão da prática de preços compostos por duas partes: uma parte fixa e outra dependente do consumo efectuado. Trata-se ainda das decisões de preços quando a empresa produz e vende mais do que um produto, das variações de preços ao longo do tempo e da questão das práticas de preços para as transacções que ocorrem dentro da empresa.
Em toda esta parte, não se olha explicitamente para a questão da concorrência entre empresas que operam no mesmo mercado. Esta questão é tratada na parte IV que começa exactamente por discutir como estabelecer as fronteiras do mercado e como ajuizar se duas empresas estão ou não a operar no mesmo mercado. Segue-se um capítulo genérico sobre a teoria da interacção estratégica entre agentes económicos, seguido por outro que aplica esta teoria às questões específicas da concorrência entre empresas. Esta parte termina com dois capítulos sobre as decisões que as empresas tomam com o propósito explícito de influenciar as decisões dos seus rivais e sobre a forma como o facto de as empresas concorrerem repetidamente umas com as outras pode afectar as suas decisões.
Finalmente, a parte V trata da intervenção do Estado no sentido de limitar as decisões das empresas. Analisam-se as razões que levam o Estado a querer condicionar estas decisões, com ênfase na política de concorrência, regulação de monopólios e de externalidades.