O que acontece quando se introduz um imposto? O que é que se ganha e se perde? Quem suporta o custo do imposto?
Para finalizar este capítulo sobre mercados concorrenciais, vamos fazer uma análise de um elemento que está presente em virtualmente todos os mercados e que tem um impacto imediato sobre a determinação do preço nesses mercados: os impostos. Desde há muito tempo que os Estados usam os impostos para arrecadar os meios de que necessitam para fazer face aos seus gastos. Existem dois grandes tipos de impostos. O primeiro tipo são os impostos directos, tais como o IRS ou IRC. Estes impostos são cobrados directamente aos indivíduos e empresas, em função das características destes indivíduos e empresas (nestes casos em particular, dos rendimentos que eles auferiram durante o ano). O segundo grande tipo de impostos são os impostos indirectos, de que o IVA é um exemplo. Estes são cobrados com base nas transacções efectuadas, independentemente dos agentes envolvidos nessas transacções.
Os impostos que vamos analisar aqui são deste segundo tipo, impostos indirectos. Este tipo de impostos tem um impacto imediato sobre o preço dos produtos sobre os quais incide. Se um determinado produto tem uma taxa de IVA de 17%, todas as vezes que uma unidade desse produto é transaccionada, 17% do seu preço destina-se aos cofres públicos, independentemente do rendimento ou de outra qualquer características da pessoa que o compra. Isto faz com que o preço do produto seja (quase sempre) diferente do que seria caso não existisse o imposto. Como veremos adiante, na maior parte dos casos, a subida de preços será inferior ao montante do imposto.
Duas formas de analisar o efeito dos impostos sobre o preço
A introdução de um imposto faz com que passe a existir uma divergência entre o preços que o cliente paga e o preço que a empresa recebe. A diferença entre estes dois preços é, naturalmente a receita fiscal que o Estado arrecada por cada unidade transaccionada. As decisões dos compradores são determinadas pelo preço a pagar, enquanto que as dos vendedores pelo preço que recebem.
A análise dos efeitos económicos do imposto pode fazer-se de duas formas que são equivalentes. A primeira forma é considerar uma nova curva da oferta, uma curva que reflicta o facto de que, para além de suportarem os seus custos, as empresas têm agora que pagar também o imposto. Por conseguinte, só aceitarão vender uma dada quantidade se, além dos seus custos, o preço que recebem cobrir também o imposto a pagar (Figura 1). A curva encontra-se acima da curava da oferta original . Isto reflecte o facto de que, para estarem dispostas vender uma quantidade , as empresas no mercado exigem agora receber um preço enquanto que antes estariam dispostas a vender essa quantidade por um preço inferior .
Antes da existência do imposto, as empresas venderiam a quantidade ao preço . Com a introdução do imposto, a quantidade transaccionada reduz-se para e o preço sobre para . Repare-se, contudo, que a subida do preço é inferior ao montante do imposto, uma vez que também as empresas assumem parte do ónus associado à introdução do imposto. Na Figura 1, isto manifesta-se no facto de as empresas passarem a receber apenas e não como inicialmente.
A segunda forma de analisar o efeito do imposto é considerar que a oferta se mantém inalterada, que as alterações se encontram ao nível da procura. Em rigor, e tal como anteriormente a oferta não se alterava, a procura não se altera. A procura não sofre alteração, uma vez que os consumidores continuam a tomar as suas decisões com base nas mesmas preferências. Porém, do ponto de vista da empresa, o que é relevante não é quanto é que os consumidores estão dispostos a pagar por uma dada quantidade, mas quanto é que a empresa irá receber pela venda dessa unidade. A procura líquida de imposto representa isso mesmo. Para obter a procura líquida de imposto, aos preços constantes da curva da procura para cada quantidade, subtrai-se o valor do imposto respectivo. No painel da direita da Figura 1, se o comprador pagar um preço , a empresa só fica com um valor equivalente a . As suas decisões serão pois tomadas com base nesta procura líquida de impostos ().
Estas duas formas de analisar o problemas são equivalentes e, como se pode ver, o resultado é idêntico. No que se segue, vamos usar a abordagem da esquerda. Para analisar o efeito dos impostos em mercados para os quais não está definida uma curva da oferta usa-se a abordagem da direita. É esta a abordagem empregue na análise do efeito dos impostos sobre o preço dos automóveis que é feita na secção 10.5.1.
Os efeitos económicos do imposto
Para analisar os efeitos decorrentes da criação de um imposto do tipo atentemos na Figura 2, que reproduz o painel da esquerda da Figura 1. Vimos que a introdução do imposto cria dois preços. O preço de mercado pago pelo comprador () e o preço com que a empresa fica (). A diferença entre estes dois preços () é o imposto por unidade vendida, sendo o total do imposto arrecadado pelo Estado o produto deste imposto unitário pela quantidade vendida , e a que correspondem na figura aos dois rectângulos sombreados.
O rectângulo sombreado a claro corresponde a excedente perdido pelos consumidores, uma vez que pagam e não por cada uma das unidades que agora compram. Por outro lado, o rectângulo mais escuro corresponde a receitas perdidas pelas empresas. Por cada uma das unidades que agora vendem recebem um preço e não .
Para além destas transferências das empresas e dos compradores para o Estado, a introdução do imposta acarreta ainda uma perda de excedente dos compradores e das empresas que não tem contrapartida em aumento de receitas do Estado, medida pelos triângulos assinalados na figura. A totalidade da redução do excedente do consumidor é dada pela área sombreada a claro. Como já vimos, a parte correspondente ao rectângulo é transferida para o Estado sob a forma de imposto. Sobra o triângulo sombreado a claro, que corresponde a redução no excedente do consumidor que não tem contrapartida em aumento da receita do Estado.
O triângulo a escuro também é excedente (da empresa) perdido sem contrapartida. Para verificarmos isto, recordemos que, ao preço , a empresa obtinha com a venda das unidades entre e uma receita equivalente a este triângulo mais a área do trapézio abaixo da curva da oferta. Esta é uma receita que é perdida com a introdução do imposto e a consequente redução da quantidade vendida. Porém, esta redução da quantidade vendida implica também uma redução de custos. Recordando a forma como a curva da oferta de mercados competitivos é deduzida a partir da curva de custos marginais, podemos verificar que o custo de produzir a última unidade quando se vende é exactamente . Por sua vez, o custo de produzir a última unidade quando se vende é . O custo de produzir qualquer unidade entre e é dado pela curva da oferta, e o custo de produzir as unidades entre e é dado pela área abaixo da curva da oferta entre estas quantidades. Por conseguinte, a redução da quantidade vendida permite à empresa poupar o equivalente a esta área, mas acarreta uma perda de receitas igual a vezes a redução da quantidade vendida. O saldo líquido destas duas reduções corresponde pois ao triângulo a cheio.
Em termos económicos, portanto, a introdução de um imposto implica a criação de uma ineficiência, de uma perda líquida de bem-estar. Compradores e vendedores perdem mais do que o montante que o Estado arrecada. A criação de impostos é pois mais do que uma simples transferência de riqueza de uns agentes para outros na Economia o que, no mínimo, sugere que o Estado deve ter uma convicção forte de que vai dar bom uso à receita fiscal gerada com um imposto antes da sua criação.
Quem paga o imposto - a incidência fiscal
Quando se discute uma alteração fiscal - a introdução de um imposto ou alteração da sua taxa - é comum ouvir as empresas do sector ou as suas associações fazer campanha contra essa introdução em nome dos interesses dos compradores desse produto. Segundo normalmente afirmam, serão os compradores quem, em última análise, irá pagar o imposto. É compreensível que as empresas façam campanhas nesta base. Porém, o argumento não é inteiramente correcto, e é útil saber até que ponto ele é correcto.
Uma das questões mais importantes na análise económica dos impostos é a questão da incidência do imposto, isto é, de quem paga o imposto. Naturalmente que não estamos a pensar na questão de saber quem é que entrega o dinheiro do imposto às Finanças, o que normalmente é feito pelas empresas por uma questão de facilidade processual. A questão mais importante é a de saber sobre quem recaem os efeitos da existência do imposto.
A distribuição do ónus associado ao imposto que é arrecadado pelo Estado entre compradores e vendedores pode não ser igual e, em geral, não o é. A parte que é suportada pelos compradores corresponde à redução do excedente dos consumidores, a parte suportada pelos vendedores à redução do excedente dos vendedores. Como veremos de seguida, a distribuição deste ónus depende das elasticidades da procura e da oferta.
Em geral, quanto maior a elasticidade, menor o efeito do imposto. Se a procura for muito elástica e a oferta for inelástica (painel da esquerda da Figura 3), o imposto levará a uma ligeira subida no preço pago e uma grande redução do preço recebido pelas empresas. Se a procura for muito inelástica e a oferta for elástica (painel da direita), a introdução de um imposto vai provocar uma redução ligeira no preço recebido pelas empresas e um grande aumento no preço pago pelos compradores.